Patty, a mulher proibida*
Direção: L. Gonzaga
Brasil, 1979.

Por Gabriel Carneiro

Patty, a mulher proibida é um desses filmes inexplicáveis. Explico: parece que não vai dar em nada. Um título genérico, um diretor desconhecido, um filme obscuro que pouco se comenta a respeito. Se já é assim no panorama do cinema da Boca do Lixo, imagine no resto. E, assim como se não quer nada, surge um baita filme. Os mais atentos e curiosos talvez cheguem a ele mais interessados na Helena Ramos como musa principal ou no escritor e roteirista Marcos Rey. Estão certos, mas há, nele, certamente, mais do que isso.

Adaptado pelo próprio Marcos Rey de seu conto Mustang Cor de Sangue, Patty, a mulher proibida narra a história do anão Jujuba, um apresentador televisivo infantil, muito rico, que se aproveita de sua posição para ganhar mulheres desesperadas pela luz do holofote. Típico das produções da época, o título visava a conquistar o público masculino através da beleza e do corpo de Helena Ramos, a tal Patty, uma mulher sedenta pela fama – ainda que o mustang pouco apareça no filme.

Isso porque quase toda a ação é centrada no casarão de Jujuba. Hábil escritor, Rey sabe como criar uma história policial verdadeiramente interessante, sem abdicar dos aspectos populares e mundanos. Além de Jujuba e de Patty, há também o Escriba, intelectual fadado a morrer de fome que é resgatado da penúria por Jujuba para escrever os roteiros do programa, a atuar como seu advogado e seu motorista. Escriba é um faz tudo submisso.

A partir dessa premissa, o diretor então estreante Luiz Gonzaga dos Santos (que apenas assina L. Gonzaga), pupilo de Jean Garrett, de quem foi assistente de direção, mostra um talento único, especialmente na Boca. Artesão da melhor estirpe, Gonzaga, que só faria mais um longa, Anúncio de Jornal (1984), tem pleno domínio de ritmo, é cuidadoso na decupagem e ainda é ótimo dirigindo atores – o Escriba talvez seja a grande atuação da vida de Roberto Miranda, que já era um ótimo ator, uma das melhores de Helena Ramos e Dilim Costa, o anão Jujuba, é um destaque à parte.

Há toda uma tensão em volta das três personagens, na linha tênue entre a atração e a repulsa. Gonzaga se aproveita disso para conduzir seu filme; é isso o que interessa, afinal de contas: a relação de poder, seja fruto do dinheiro, da fama, da inteligência ou do sexo, são todas armas usadas para desbancar uns aos outros. A influência do cinema noir é nítida, mas o cineasta avança nessa construção. Patty pode ser a razão da perdição, mas nele não se exclui toda a ganância e ambição nascido do desejo, da luxúria, sem a culpa cair em cima dela. Se o Escriba é apaixonado por aquela mulher que faz espetáculos eróticos no cabaré, isso não diz respeito à vontade de possuí-la antes e mais do que seu chefe. Mesmo porque o Escriba, melhor personagem do longa, representa a pura desilusão: submisso e covarde, tem a plena consciência disso tudo, da exploração, e não faz nada a respeito por um misto de comodismo e medo.

Esse aspecto mundano presente no roteiro de Marcos Rey e ressaltado por Gonzaga na escolha, especialmente, da arte do filme e na direção de atores, é o que fazem o longa tão vivo e tão necessário de ser visto: são os fudidos tentando se entender sem cair em fáceis psico ou sociologismos, sem politicagens – afinal, pouco importa se o rico é anão e negro, se a mulher é gostosa ou se intelectual se cansou da esquerda, o que vale, ali, são as relações humanas.

*Publicado originalmente no site Cinequanon, em setembro de 2012, dentro da coluna Viva a Boca do Lixo.