Sertão em Festa*
Direção: Osvaldo de Oliveira
Brasil, 1970.
Por Gabriel Carneiro
A Boca do Lixo sempre teve espaço para os mais diversos gêneros fílmicos, que iam, em geral, muito além da dita pornochanchada, a comédia maliciosa. Terror, faroeste, drama, policial, etc, etc. A Boca do Lixo fez também, com bastante sucesso, o chamado filme rural, sertanejo ou caipira. Filmes que se passavam no interior de São Paulo e que traziam personagens que moram no campo, ligados à agropecuária de subsistência. Esses filmes rurais podiam ser comédias, dramas ou musicais – ou tudo junto -, o que os liga é a prevalência do campo sobre a urbe. Inspirados no sucesso, entre outros e especialmente, do produtor, ator e diretor Amacio Mazzaropi, que ficou rico com as aventuras do Jeca, vários produtores e diretores se arriscaram na seara, via Boca do Lixo.
O diretor e fotógrafo Osvaldo de Oliveira já havia feito dois faroestes de cangaço “O Cangaceiro Sem Deus” e “O Cangaceiro Sanguinário”, ambos de 1969. O terceiro projeto para a Servicine, produtora de Alfredo Palácios e A. P. Galante, foi uma variação do universo do western: o filme rural, com Sertão em Festa, que traz a dupla sertaneja de enorme prestígio à época, Tião Carreiro e Pardinho. O sucesso foi tão grande que Oliveira logo emendou “Luar do Sertão” e “No Rancho Fundo”, ambos de 1971, e o faroeste “Rogo a Deus e Mando Bala” (1972). Pau de toda obra do Galante, Oliveira não voltaria mais ao universo caipira e desenvolveria longa carreira em outros gêneros, como a pornochanchada e o WIP.
Sertão em Festa narra a história de um caipira, Nhô Simplício, dono de um pedaço de terra onde descobrem petróleo. Aconselhado pelo filho, que estudou na cidade grande, no caso, São Paulo, vende a terra e se muda para lá. Traz com ele a filha, prometida a um camponês. Como de praxe no gênero, o campo triunfa sobre a cidade, vista como um antro de pessoas desonestas e enganadoras. O campo é puro em Sertão em Festa. Nele, evidencia-se que a simplicidade faz da pessoa melhor. Nem todos os filmes do gênero trazem essa conotação, mas a integridade sempre pertence ao homem do campo que é fiel às raízes.
Parte da graça do filme – e provavelmente o que faz dele delicioso de assistir – é o tom ingênuo com que é levado. Tudo no filme é muito claro, inclusive a malícia. Oliveira sabe que a trama é um tanto óbvia e o que vai acontecer efetivamente importa menos. A graça está na celebração anárquica, que alterna números musicais da dupla sertaneja, escrachos do comediante Saracura e o jogo de sedução entre Nhá Barbina e o mordomo interpretado pelo cineasta Carlos Reichenbach. É nítido o prazer com que o diretor retrata esse mundo; sua admiração é enorme. Não há falsa e barata sociologia ou antropologia do meio. Oliveira é o meio, é aquele universo. Por conta disso, o carinho com que retrata seus personagens e com que insere a música de Tião Carreiro e Pardinho, grandes músicos, menosprezados pela intelectualidade, é gigantesco.
Há também uma sutil crítica, muito baseada em estereótipos do matuto, mas que se casa com um ideal de vida bastante em voga na época, contra o capitalismo. O sábio é o velho caipira que, após vender a terra, sente um enorme vazio, porque perdeu seu canto, que era sua vida. Pra ele, a fortuna alcançada e o casarão comprado na cidade grande de nada valem, pois são apenas bens materiais. É o discurso da simplicidade sempre triunfante sobre a modernidade complexa e interminável. Não à toa, o filme se encerra com a melancólica “Tristeza do Jeca” – e que serviu de base para o filme homônimo do Mazzaropi, talvez o melhor do Jeca.
O filme rural da Boca encontraria também um forte expoente com Jeremias Moreira Filho e seus dramas musicais com Sérgio Reis, mais triste e mais saudosistas de um tempo que parece não mais existir, Ozualdo Candeias e seus filmes bastante críticos e algumas aventuras de Ary Fernandes, Rodrigo Montana, entre outros. Recentemente, Jeremias Moreira voltou ao gênero com a refilmagem de “O Menino da Porteira” (2009) e outro egresso da Boca, Fauzi Mansur, se arriscou na seara, com “Casamento Brasileiro” (2011), mas ninguém mais parece se ligar nesses filmes – ou não tem mais como arcar o abusivo preço do ingresso.
Quem quiser, pode ver o filme na íntegra aqui.
*Publicado originalmente no site Cinequanon, em dezembro de 2012, dentro da coluna Viva a Boca do Lixo.