Sábado Alucinante*
Direção: Cláudio Cunha
Brasil, 1979.

Por Gabriel Carneiro

A Boca do Lixo ficou famosa, entre outros motivos, por seus filmes baratos e rápidos, em que o processo, da escritura do roteiro ao lançamento, demorava apenas alguns meses – claro, se a censura não atrapalhasse. Os filmes da Boca também, era notório, eram feitos para ganhar dinheiro, como qualquer outro negócio. Não à toa, eram muito sintonizados ao tempo e ao contexto em que foram realizados. Pela rapidez da produção, continuavam atuais no lançamento e isso atraía público. Boa parte dessas configurações está atrelada ao cinema exploitation, aquele que explora certas características para atrair o público, feito com pouco dinheiro e extrema rapidez. Essencialmente, todos os filmes da Boca podem ser associados ao cinema exploitation. Mas alguns filmes foram além da exploração da nudez feminina, do sexo e das tramas mundanas. É o caso do ótimo Sábado Alucinante, quinto filme de Cláudio Cunha.

Cunha, também produtor e ator, dirigiu poucos, mas importantes, filmes na Boca, como “Snuff – Vítimas do Prazer” (1977), “O Gosto do Pecado” (1980) e “Oh! Rebuceteio” (1984), antes de se dedicar ao teatro, especialmente ao seu “O Analista de Bagé”. O cineasta aprontou seu Sábado Alucinante para capitalizar em cima dos sucessos da disco music e dos disco movies, especialmente de “Os Embalos de Sábado à Noite”, de John Badham, com John Travolta. Em 1979, dois longas brasileiros foram lançados buscando esse público. “Embalos Alucinantes – Troca de Casais”, de José Miziara, cujo foco era a prática do swing, a troca de casais, inspirado numa reportagem, é apenas embalado pela discoteca. Sábado Alucinante é o representante brasileiro legítimo. Tudo gira em torno da discoteca.

Cunha costura diferentes histórias, algumas cômicas, outras dramáticas, em torno de uma badalada discoteca carioca durante um final de semana. Parte assim de um microcosmo para falar de questões em voga para a sociedade do final dos anos 70. Estão ali a linda e estelar frequentadora, excelente dançarina, que atrai todos os olhares, mas se vê abandona pelo homem que ama; a menina virgem constantemente perseguida por sua condição; o travesti que busca ser aceito; a mulher traída em busca de um conforto trinta anos mais novo; a garota grávida que não sabe qual decisão tomar; os adolescentes que querem apenas entrar na festa; o garçom velho que se torna obsoleto e toma medidas drásticas; o cafajeste que quer apenas descolar uma menina.

O filme trabalha essas histórias paralelamente, sem que ninguém assuma, por muito tempo, o papel de protagonismo. O que interessa a Cunha, não só em Sábado Alucinante, como também no ótimo “Amada Amante” (1978) e no fraco “Profissão: Mulher” (1982), é o mosaico de um segmento da sociedade, a partir de um ponto comum. Aqui, a discoteca. As diversas histórias estão lá para retratar a multiplicidade de personagens que um local pode agregar – daí a ideia de microcosmos: Cunha se funda à possibilidade de a discoteca ser o local mais representativo daquele contexto, a ponto de atrair os mais diversos tipos. Lá é onde a juventude, essencialmente, se encontra, é o que move uma geração, refletindo como ela se comporta frente a outras.

Sutilmente, vemos o descaso para com os mais velhos e o egoísmo que domina os jovens, os preconceitos embutidos nas relações sociais, a necessidade de se sentir inserido, entre outros. O sexo aparece ali como catalisador, assim como nos textos rodrigueanos, sempre motivando certas ações, mesmo que condenadas.

Há de se ressaltar a habilidade de Cunha enquanto contador de histórias e diretor de atores. Cunha trabalha temas complexos, situações delicadas, mas busca uma leveza. Há uma alegria retumbante no ar e isso permeia todo o filme. Mas é uma alegria melancólica. Mesmo os momentos dramáticos apontam para pequenas felicidades. Já os segmentos cômicos utilizam essa forma apenas como um disfarce, uma maneira de amenizar histórias que poderiam beirar o trágico – daí a comédia de erros, por exemplo, que é a história de Rodolfo Arena, o garçom. A comédia não surge como maneira de deboche desses personagens e sim como respeito a eles.

*Publicado originalmente no site Cinequanon, em julho de 2013, dentro da coluna Viva a Boca do Lixo.